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No que concerne ao territ rio partimos do princ pio
No que concerne ao território, partimos do princípio de que os traços culturais de um grupo humano são inseparáveis de suas estruturas espaciais, sendo order SB 239063 apreensão do espaço crucial para que os grupos étnicos construam e comuniquem suas identidades e diferenças. Para ElHajji, o desejo de distinguir-se e afirmar a diferença pode se expressar espacialmente, pela “demarcação de territórios existenciais articulados a dados modos agenciamento e determinadas instâncias de enunciação da identidade do grupo”. Assim, o território se constitui não só como portador, mas também como comunicador da identidade e diferença.
Etnogêneses quilombolas
Ao propor uma perspectiva da quilombagem como expressão de protesto radical, Clóvis Moura dividiu em dois estágios a consciência rebelde do escravizado, agente social do quilombo. O primeiro se caracteriza pelo ato individual de fuga do rebelde que escapa do cativeiro. Já no segundo estágio, o sentimento de rebeldia é socializado com outros escravizados em comunidade, marcando a passagem, no nível de consciência, do fugitivo para o quilombola. A transformação amplifica o sentido social do ser, cria uma unidade coletiva organizada de resistência à sociedade escravista institucionalizada e restabelece uma cidadania negada. Moura ressalta que:
Depois de identificar os quilombos como módulos radicais de negação ao sistema escravista, Moura sugere que a formação quilombola seja analisada não só isoladamente, mas como totalidade de um processo permanente, um continuum social, cultural, econômico e político intitulado como quilombagem. Enquanto processo radical e permanente, a quilombagem opera uma negação sistemática do modelo escravista e seus valores.
Uma das peculiaridades do continuum quilombola é que ele não se dá em uma articulação consciente entre seus agentes sociais, porém “sua existência e a sua permanência no tempo, a sua imanência contínua construiu um processo social o qual, atuando no centro da contradição fundamental do sistema escravista desarticulou a sua estabilidade e o desempenho econômico do seu projeto”. Embora não tenha sido o motivo único e exclusivo do fim da escravidão, a trichocysts quilombagem, enquanto expressão de protesto radical, foi um dos componentes que endossaram o desmantelamento progressivo do escravismo colonial.
A perspectiva da quilombagem como continuum pode ser útil para investigar o autorreconhecimento das comunidades remanescentes de quilombos, sobretudo pelo quantitativo de comunidades certificadas pela Fundação Cultural Palmares, número que chegou a 2 849 em 12 anos. É possível identificar a convergência das comunidades quanto às mobilizações pelo autorreconhecimento.
Na definição de Sider, se o etnocídio é o extermínio de um estilo de vida, a etnogênese seria a construção fraternal da autoconsciência de uma identidade coletiva para fins políticos perante um Estado opressor. Com a ressalva que o grupo étnico não é preservado, mas criado. Não se trata de recuperação, que pressupõe uma volta ao passado, e sim de construção identitária e emergência de novos sujeitos, aspecto que nos permite falar em etnogênese nas comunidades quilombolas.
Embora possa ser um recurso sob o risco de uso instrumental, a construção identitária, mesmo sob influência de movimentos sociais e guiada pelas exigências do Estado, não pode desconsiderar as ideologias e afetos envolvidos nos processos de etnogênese:
Os processos de etnogênese precisam ser acolhidos em seus sentidos étnico e ético. De meros produtores de sinais externos destinados aos mediadores e ao Estado, os dispositivos étnico-comunicacionais organizam suas redes identitárias para “reconstruir um pertencimento comunitário que permita um acesso mais digno ao presente”.
A emergência de uma nova dignidade, alicerçada em uma identidade atravessada pelos referenciais positivos adquiridos historicamente pela negritude e o quilombo, possibilita aos quilombolas a construção de novos sentidos para a existência individual e coletiva, além de novos horizontes para se pensar em futuros possíveis. Como afirma Bartolomé: “os rostos étnicos emergentes estão tão carregados de sistemas de sentido passados e atuais quanto de expectativas de futuros”.